UMA ANÁLISE DO ARESP Nº 2.009.461 STJ – REGIME DE ORIGEM ALADI/MERCOSUL – TRIANGULAÇÃO – TERCEIRO OPERADOR

A recente notícia publicada no site do Superior Tribunal de Justiça – STJ, decorrente do ARESP nº 2.009.461, causou uma celeuma entre os intervenientes aduaneiros que utilizam o tratamento preferencial aplicado aos Países signatários da ALADI, tratamento tarifário este que reduz total ou parcialmente o pagamento do imposto aduaneiro para mercadorias originarias dos Estados Parte do acordo internacional.

No litígio em comento, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que houve divergência nos documentos de importação, logo, afirma que é inaplicável o tratamento tarifário preferencial, que reduz o imposto aduaneiro. Haja vista essa decisão, considerando o possível reflexo aos intervenientes aduaneiros, evidenciamos que se torna imperiosa uma análise cautelosa do julgado.

As regras de origem são instrumentos que norteiam a aplicação do mencionado tratamento preferencial, sendo que tais regras, por decorrência, permitem determinar a verdadeira origem das mercadorias, logo, relevante destacar que a origem se distingue da procedência. A origem refere-se ao lugar onde a mercadoria efetivamente foi produzida e sofreu processo específico para sua produção, sendo determinada para que o país de destino possa adotar o tratamento aduaneiro apropriado. Assim, um dos tratamentos aplicáveis é a preferência tarifária, concedida em face acordo internacional. No que tange ao local de procedência, este é, por sua vez, especificamente, o local onde a mercadoria foi exportada.

Inicialmente, destaca-se que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1, decidiu no sentido de que o fato de os produtos terem sido faturados pelas subsidiárias da PETROBRAS nas Ilhas Cayman, país que não é membro da ALADI, não desnatura o conceito de origem para fins de fruição do tratamento preferencial, pois o que importa é que o Certificado de Origem ter sido emitido pelo país produtor, no caso a Venezuela, membro efetivo da ALADI.

Inconformada, a Fazenda Nacional interpôs Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça, sustentando no mérito que é necessário a coincidência entre o Certificado de Origem do produto e a fatura comercial, não sendo possível estender o benefício nos casos em que a exportação é feita por subsidiária situada em país não signatário.

É relevante observar que tanto o TRF1 quanto o STJ, analisaram o Decreto nº 98.874 de 24.01.1990, que incorporou no ordenamento jurídico brasileiro a Resolução nº 78, da Associação Latino-Americana de Integração, que trata do regime de origem da ALADI, que diz o seguinte: ARTIGO NONO. – Para que as mercadorias originárias se beneficiem dos tratamentos preferenciais, as mesmas deverão ter sido expedidas diretamente do país exportador ao país importador. Para tal fim, se considera expedição direta:  a) As mercadorias transportadas sem passar pelo território de algum país não participante do Tratado. (grifei).

Nesse compasso, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da relatoria do Ministro Francisco Falcão, diz que não há dúvidas que as mercadorias de fato são originárias da Venezuela, contudo, afirma que as mercadorias não podem passar pelo território de país não signatário dos acordos firmados na ALADI e assim conclui o magistrado: “A certificação da origem deve atestar a procedência real da mercadoria, de modo a não ser possível a expedição direta do país exportador para o pais importador ser flexibilizada em função de uma conveniência comercial destinada à redução de custos de maneira fictícia, especificamente quando não for expressamente mencionada no texto normativo. “

É incontroverso que as mercadorias não foram remetidas da Venezuela para as Ilhas Cayman e posteriormente para o Brasil. O acordão na verdade analisa o caso sob uma premissa distinta, isto é, assevera que muito embora as mercadorias tenham origem venezuelana, o fato é que quem efetuou a venda e faturou foi a empresa subsidiaria da PETROBRAS, situada em terceiro país não integrante da ALADI, que por sinal, como se sabe, este possui tributação interna favorecida.

Um ponto que merece ser observado, é que no caso em testilha, em âmbito do MERCOSUL, o Decreto nº 5.902, de 20 de setembro de 2006, que incorporou o 58º Protocolo Adicional ao ACE 18, ao regulamentar a sistemática da operação quando envolve um terceiro operador prevê que em seu artigo 2 que o campo 7 (Fatura Comercial) do Certificado de Origem MERCOSUL, nas operações que envolvem um terceiro operador poderá ser completado com o número e a data da fatura comercial emitida pelo exportador do país de origem da mercadoria (primeira fatura) ou com o número e a data da fatura comercial emitida pelo terceiro operador ao importador do país de destino final da mercadoria (última fatura). Em ambos os casos, deverá constar no campo 14 (Observações) do Certificado de Origem, que se trata de operação por conta e ordem do terceiro operador, assim como seu nome, endereço e país. Ainda, o Protocolo prevê em seu artigo 4 a possibilidade de que cada Certificado de Origem poderá corresponder a mais de uma fatura comercial.

A previsão legal de participação de um terceiro operador esta inclusive prevista ainda nos acordos em que o MERCOSUL firmou, como ocorre no ACE 59 (Equador, Venezuela e Colômbia), incorporado pelo Decreto nº 5.361, de 31 de janeiro de 2005, o qual prevê a necessidade de informação dos dados do terceiro operador no Certificado de origem nos termos do Anexo IV, Seção II, artigo 13 do referido Acordo.

Por outro lado, compulsando o processo, o dilema é que não consta no julgado se foi pugnado ou não a informação dos dados concernentes ao terceiro operador no Certificado de origem, no caso concreto a Subsidiária da PETROBRAS nas Ilhas Cayman. Entretanto, a ausência dessa informação, contudo, não parece o suficiente para afastar o tratamento preferencial, por se tratar, no meu modesto pensar, de mero erro formal, passível de saneamento.

Cumpre lembrar, que a concessão do tratamento preferencial, que reduz o imposto de importação das mercadorias originárias do Acordo Internacional, deve obedecer ao seguinte binômio: origem/procedência. Não resta dúvida que foi materializado no caso em exame o citado pressuposto.

Concluindo a análise, de acordo com a legislação de regência sublinhada alhures, entendemos que, se o exportador no exterior emitiu o Certificado de Origem preferencial, obedecendo os pressupostos legais do Acordo Internacional, informando inclusive todos os dados do terceiro operador, o referido documento não poderá ser desqualificado para fins de afastar o tratamento preferencial e exigir do importador o imposto de importação.

Por derradeiro, cumpre salientar que, no presente momento, a decisão do ARESP nº 2.009.461, exarada pelo egrégio Superior Tribunal Federal, não estanca os debates nos tribunais, sendo que por sinal a discussão segue seu curso, inclusive porque o processo ainda não transitou em julgado.

 

Walter Machado Veppo

Advogado

Sócio Diretor da Veppo Advogados Associados SS – Consultor de Empresas, formado em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-RS, onde foi professor de direito aduaneiro e direito da integração durante nove anos, pós graduado em direito aduaneiro e comércio exterior pela Universidade do Vale do Itajaí-SC e direito tributário pela Escola Superior Verbo Jurídico – RS e pós-graduando em direito penal e processo pela Fundação Escola Ministério Público – RS. Atuou ainda como professor convidado em cursos de pós graduação da UNIVALI-SC e UCS-RS Atualmente é membro do Conselho de Comércio Exterior da FECOMÉRCIO-RS e membro da Comissão Especial de Direito Aduaneiro, Portuário e Marítimo e Comissão Especial de direito tributário da OAB/RS e autor de diversos artigos jurídicos, e coautor dos livros: Questões Atuais de Direito Aduaneiro e Tributário à luz da jurisprudência dos tribunais – com abordagem de artigo vinculado ao procedimento especial de fraude aduaneira/canal cinza editora Fórum – 2ª Ed. 2019 , e do livro Controvérsias Atuais de Direito Aduaneiro – com artigo denominado Interrupção do despacho aduaneiro, revisão de oficio na conferência aduaneira – editora Aduaneiras – 2022.

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