IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM OU ENCOMENDA – DOLO EVENTUAL: TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA

A escolha entre importar mercadoria estrangeira por conta própria, importação direta, ou por meio de um intermediário contratado para esse fim, importação indireta, é livre e perfeitamente legal. Esse intermediário pode ser um prestador de serviço ou um revendedor. Todavia, tanto o importador quanto o adquirente ou o encomendante, conforme o caso, devem previamente prestar informações junto a Receita Federal por meio do Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX).

Inicialmente, observa-se que aquele que importa mercadorias, bem como aquele que as encomenda ou adquira, deve possuir habilitação junto ao cadastro no Registro e Rastreamento da Atuação dos Intervenientes Aduaneiros (RADAR), da Receita Federal do Brasil (RFB), inclusive, deve declarar junto ao Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX), se a operação se trata de importação por encomenda ou por conta e ordem de terceiro.

Na prática, o comércio exterior é dinâmico e de rito célere, logo, podem surgir alguns equívocos nas informações prestadas perante a RFB, dentre elas o dilema de existência de encomendante ou adquirente, às vezes até por desaviso daquele que encomenda. Por consequência, surgem as infrações aduaneiras, que são aplicadas pela autoridade aduaneira competente.

Evidencia-se no caso em tela, a princípio, de acordo com entendimento das jurisdições aduaneiras, a declaração inexata de informações, prevista no artigo 69, §§ 1º e 2º, inciso III, da Lei 10.833, de 2003, ou ainda a infração denominada ocultação do real importador, prevista no artigo 23, inciso V, do Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, sendo na primeira o importador sujeito a pena de multa, e na segunda a uma pena mais gravosa, denominada de perdimento de bens, além de outros reflexos decorrentes como a representação fiscal para fins penais.

Por outro lado, nesse cenário, há necessidade de analisar ainda se no equívoco da declaração aduaneira prestada pelo importador junto ao SISCOMEX, houve ou não a declaração falsa ou inexata de forma dolosa, uma vez que pode também consubstanciar a existência do crime de falsidade ideológica e uso de documento falso previstos nos artigos 299 e 304, respectivamente, do Código Penal Brasileiro.

Nesse corolário, partindo agora para uma reflexão acerca do aspecto criminal, a consolidação do crime de falsa declaração, ou uso de documento falso, exige um elemento essencial, o dolo, que, de acordo com Cezar Roberto Bittencourt, pode ser direto, quando o agente quer o resultado previsto, ou indireto, na forma eventual, em que o agente também prevê o resultado, mas assume o seu risco, aceitando a sua ocorrência. Extrai-se então dessa premissa, verificar se o importador ou aquele que optou por importação indireta, no caso em análise, tinha intenção ou não de causar dano ao erário.

Nesse contexto, entendo que temos duas figuras distintas, o importador que compete registrar a Declaração de Importação junto ao SISCOMEX e manejo do procedimento administrativo de importação e o terceiro que contratou o importador para a execução da operação.

Numa primeira visada, pode se presumir precipitadamente que tanto o importador, aquele que manejou o procedimento de importação, bem como o encomendante ou adquirente das mercadorias, praticaram conjuntamente o crime de falsa declaração ou uso do documento falso, todavia, essa assertiva deve ser apurada com bastante cautela.

Melhor sorte, todavia, abriga o encomendante ou o adquirente, pois pode se verificar que a responsabilidade no manejo dos documentos da operação é relativa, inclusive quanto a prestação de informações ao Fisco, não podendo se dizer que houve dolo eventual, ou seja, que o mesmo assumiu o risco de uma operação ilegal.

Em muitos casos, a representação criminal proposta pelo Ministério Público Federal, vem baseada no dolo eventual, tomando por base a teoria da cegueira deliberada, que é originária da construção jurisprudencial e doutrinária do direito anglo-saxão. Segundo essa teoria, o agente finge não enxergar a possibilidade de ilicitude da conduta praticada com intuito de auferir vantagens, toma ainda medida para se certificar que não vai adquirir pleno conhecimento ou exata natureza das transações realizadas para um intuito criminoso, prevendo o então o resultado lesivo da conduta. Essa corrente doutrinária, entretanto, enfrenta sérias críticas de juristas brasileiros, uma vez que a mesma admite a culpa como critério de condenação, logo o juízo deixa então de observar a existência de dolo que é elemento subjetivo do tipo penal.

Em suma, voltando ao debate, a mera demonstração de negligência não é suficiente para concluir acerca da presença de vontade ou conhecimento, sendo por decorrência, no nosso modesto pensar, inaplicável tanto a pena administrativa de perdimento de bens, aplicada pelo Fisco ao encomendante ou adquirente, bem como a imputação de crime em face ausência de dolo na operação de importação.

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