Em 14 de abril de 2020, foi sancionada a Lei nº 13.988, a chamada Lei do Contribuinte Legal, que regulamenta a transação entre o Fisco federal e o contribuinte de litígios relativos à créditos tributários e não-tributários.
Apesar da relevante iniciativa da União em desejar reduzir o contencioso tributário, seja no âmbito judicial ou administrativo, o artigo 23, parágrafo único, desta lei impõe a supressão do direito dos contribuintes ao acesso à segunda instância no processo administrativo fiscal de créditos tributários de pequeno valor.
Nesse cenário, é importante salientar desde logo, que o referido dispositivo entrará em vigor no próximo dia 12 de agosto.
De acordo com o artigo 23, inciso I, combinado o artigo 24, parágrafo único, ambos previstos na lei em análise, os créditos tributários de pequeno valor são aqueles que não superam 60 salários-mínimos.
A nova lei prescreve que o seu julgamento se dará em última instância pelas Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJs), órgão de primeira instância no contencioso administrativo fiscal, sem direito à recurso para ser julgado no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Inicialmente, é necessário salientar que as DRJs são órgãos colegiados vinculados à Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), e são compostas por Auditores-Fiscais da RFB que farão o julgamento das impugnações administrativas apresentadas pelos contribuintes em face aos autos de infração ou notificações de lançamentos que são lavrados para a constituição de crédito tributário.
Já o CARF, órgão de segunda instância no processo administrativo fiscal, possui composição paritária, com representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes, e é vinculado ao Ministério da Economia. Compete ao CARF revisar os julgamentos proferidos pelas DRJs.
Também é necessário frisar que nas sessões de julgamento das DRJs não é possível fazer-se sustentação oral, ao passo que isso é possibilitado nos julgamentos do CARF.
Isto posto, é evidente que a exclusão da segunda instância nos processos administrativos fiscais de pequeno valor prejudica de sobremaneira os contribuintes, que não terão direito de revisão aos julgamentos que lhe forem desfavoráveis, e ainda, o único órgão julgador é composto exclusivamente de representantes do Fisco.
O Supremo Tribunal Federal, em julgamento de matéria análoga, entendeu que a exigência de depósito ou de arrolamento de bens para a interposição de recurso administrativo em verdade exclui o direito do contribuinte em recorrer da decisão administrativa de primeira instância, violando dessa forma o direito de petição e a ampla defesa e o contraditório. Tal entendimento, inclusive, deu origem à Súmula Vinculante nº 21, enunciado que deve ser atendido pelos demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública.
Diante disso, se depreende que a medida de suprimir o acesso à segunda instância em processos administrativos fiscais em que se discutem créditos de pequeno valor é inconstitucional, por violação ao princípio da ampla defesa e do contraditório, previsto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, podendo tal expediente legislativo ser afastado pelo Poder Judiciário.
Gabriel Sant’Ana Bitencourt Dias
Advogado adjunto da Veppo Advogados Associados S/S, formado em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis – Campus Canoas, e pós-graduado em Direito Tributário pela mesma instituição.