O Adicional ao Frente para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM, conforme artigo 4º da Lei nº 10.893, de 2004, tem como um dos elementos da incidência a operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro, tendo por base de cálculo o valor do frete internacional e a capatazia.
O AFRMM, foi instituído pelo Decreto Lei nº 1.142/70, sofrendo alterações relevantes quando da edição da Medida Provisória nº 177/04, que foi convertida na Lei nº 10.893/04, a qual determinou naquela oportunidade que a comando do referido tributo fosse para a Receita Federal do Brasil, afastando assim a competência anterior do Ministério dos Transportes.
No que tange a espécie de tributo, o Pleno do Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário nº 177.137/RS, na relatoria do Min. Carlos Velloso, em sessão 25.05.1995, declarou que se trata de CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, recepcionado pelo artigo 149 da CF/88, muito embora a doutrina tem se direcionado a debater a ausência de previsão na Carta Magna, buscando a competência residual para sua instituição, o que exigiria a necessidade de Lei complementar.
Ultrapassado os aspectos preliminares, destaca-se que a implantação da BR do Mar, diante da publicação da Lei nº 14.301, de 2022, que instituiu o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem, trouxe algumas alterações relevantes ao citado gravame, dentre elas a que diz respeito as alíquotas básicas da referida contribuição que eram de 25% e 10% e foram então reduzidas para 8%.
Diante disso, surge nesse momento uma controvérsia uma vez que no final do ano, o Poder Executivo anterior, através do Decreto nº 11.321, de 30 de dezembro de 2022, reduziu em 50% as alíquotas do tributo em questão, determinado uma redução da carga tributária para 4%. O dilema surge em face que o novo governo revogou alguns atos administrativos do Executivo anterior, por meio do Decreto nº 11.374, de 1º de janeiro de 2023, revogando a norma que havia reduzido a carga tributária do AFRMM.
Analisado o caso em tela, o fato é que diante da publicação recente da nova norma em 2023, é imperioso agora discernir se a revogação trazida pelo referido decreto autoriza a retomada, “majoração” da alíquota de 8%, ou se permanece vigente a carga tributária prevista no decreto anterior, de 4%.
A nossa Constituição Federal de 1988 reforçou a segurança jurídica pelo princípio da anterioridade, que faz com que o contribuinte tenha ciência de fatos que futuramente venham a ocorrer em relação as obrigações tributárias, logo, por sua vez, o princípio da anterioridade de exercício financeiro, previsto no art. 150, III, “b”, da Carta Magna, veda que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exijam tributos no mesmo exercício financeiro em que houver sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
Nesse compasso, em razão da alteração constitucional, temos então três princípios da anterioridade: (a) o princípio da anterioridade do exercício financeiro (1º de janeiro a 31 de dezembro); (b) o princípio da anterioridade nonagesimal, ou anterioridade mínima de 90 dias; (c) e o princípio da anterioridade especial (90 dias), também chamada de mitigada, aplicável especificamente para às Contribuições para a Seguridade Social.
O fato é que o princípio da anterioridade de exercício financeiro e nonagesimal aplica-se de forma cumulativa para todas as espécies tributárias, exceto para os tributos mencionados no art. 150, § 1º, CF/88, contribuições para a seguridade social (art. 195, § 6º da CF/88), bem como para as contribuições previdenciárias próprias (art. 149, § 1º da CF), sendo que não se pode confundir os princípios da anterioridade nonagesimal com que se aplica de forma cumulativa, com o princípio da anterioridade especial (mitigada) de 90 dias vinculados especificamente com as contribuições para a seguridade social e previdenciárias próprias.
É relevante sublinhar que o reforço ao princípio anterioridade de exercício financeiro, com a anterioridade nonagesimal, teve por objetivo evitar surpresas decorrentes de normas publicadas que instituem ou majorem tributos no último dia do ano.
Desse modo, muito embora o AFRMM, é um uma Contribuição de Intervenção do Domínio econômico, CIDE, não encontra abrigo na alínea b) do Inciso I do § 4º do artigo 177 da CF/88, que trata da CIDE-Combustíveis, exigindo-se assim a devida cautela, inclusive quanto ao enquadramento dos 90 dias da anterioridade nonagesimal, pois esta só produz efeitos no caso em debate por exemplo, para as normas que majoram tributos cuja publicação ocorreu no último trimestre do ano, o que não é o caso do resgate da nova carga tributária de 8% do AFRMM, a qual ocorreu no dia 1º de janeiro, remetendo esta exigência somente para o ano de 2024.
Em suma, salvo melhor juízo, entendemos que não há muito exercício para se concluir que atualmente encontra-se vigente a carga tributária de 4%, logo o importador pode ingressar com medida judicial para afastar a exigência ilegal que está atualmente sendo determinada pela RFB, ou seguir efetuando o pagamento a maior diante do que propõe o software do mercante e posteriormente requerer a restituição do valor pago indevidamente.