ACERCA DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE NO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

A lavagem de dinheiro é um delito previsto no artigo 1º da Lei nº 9.613, de 1998, e consiste em “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.”

Sendo assim, a lavagem de capitais se constitui de atos que visam ocultar ou dissimular a origem ilícita de bens e valores.

O crime de lavagem de dinheiro pressupõe, necessariamente, a existência de delitos antecedentes, que gerem recursos que posteriormente serão branqueados.

No entanto, uma das questões que surgem junto à doutrina e a jurisprudência sobre a matéria é atinente ao que se chama de “autolavagem”, ou seja, a conduta do agente da infração penal antecedente que também efetua a ocultação ou a dissimulação dos recursos provenientes do delito.

O dilema é quando se está diante de condutas que se tratem de mero exaurimento do crime antecedente, que não se revestem da autonomia necessária para se configurarem como branqueamento de capitais.

O exaurimento, quando não se constitui em nova conduta criminosa, se trata de um pós-fato não punível, ou seja, fora do alcance da tipificação da lavagem de dinheiro.

De acordo com a jurisprudência pacífica de nossos tribunais, o mero proveito econômico dos recursos obtidos com as infrações penais antecedentes, não configura o crime lavagem de dinheiro, uma vez que este ilícito penal exige a ocorrência de atos autônomos de ocultação ou dissimulação dos recursos originados dos delitos antecedentes.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos sextos embargos infringentes na ação penal nº 470/MG, entendeu pela ausência de tipicidade do crime de lavagem de dinheiro, tendo em vista que o recebimento da vantagem indevida, ainda que por interposta pessoa, configuraria elementar do tipo misto alternativo do crime de corrupção passiva, após a aceitação de tal vantagem. O recebimento da vantagem indevida por interposta pessoa não possui a necessária autonomia para fins imputação do crime de lavagem de dinheiro.

No julgamento do inquérito nº 3.515/SP, a Suprema Corte concluiu pela atipicidade do crime de lavagem de dinheiro, uma vez que a mera ocultação pelo corpo de valores provenientes de corrupção passiva é ato revelador apenas do recebimento da vantagem indevida, elementar do ilícito penal da corrupção, mas não da lavagem de dinheiro.

Além da questão envolvendo a “autolavagem”, verifica-se que o delito de branqueamento de capitais é claramente um crime de perigo meramente abstrato, que não traz um risco efetivo de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal.

Contudo, tipos penais prevendo crimes de perigo abstrato afrontam o princípio da lesividade ou ofensividade, uma vez que não geram dano ou perigo concreto de lesão a bem jurídico penalmente relevante.

Portanto, a tipificação penal da lavagem de dinheiro ainda suscita controvérsias na doutrina e na jurisprudência de nossos tribunais, havendo posições pela sua atipicidade, seja por se tratar de um mero exaurimento do delito antecedente ou por se tratar de uma infração penal de perigo abstrato.

 

Gabriel Sant’Ana Bitencourt Dias

Advogado

Sócio da Veppo Advogados Associados, formado em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis – Campus Canoas (UniRitter Canoas), pós-graduado em Direito Tributário pela mesma instituição e pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

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